O céu e o mar por testemunhas

Cruzar o atlântico remando da África até o Brasil. Nunca mais ninguém tentou repetir o feito de Amyr Klink. Ele diz que navegou solitário naquela aventura há 30 anos, mas que foram 100 dias em que nunca sentiu solidão

“O que pode levar alguém a fazer uma coisa tão imbecil?”. Amyr Klink pensava também nisso, ainda no planejamento de sua viagem solitária, disposto a enfrentar um oceano Atlântico todo pela frente, num modestíssimo barco a remo de menos de seis metros. “Era uma coisa mesmo imbecil”, sair da Namíbia, na África, e remar até o Brasil.

Passados 30 anos do feito, que se completam no próximo dia 18, ele ri das histórias da aventura, a sua primeira de várias que já realizou em águas oceânicas. Foram 100 dias entre céu e mar, a expressão que dá título ao seu livro – mais de 550 mil exemplares vendidos. A viagem completa, em condições tão adversas e improváveis de sobrevivência, até hoje é exclusiva de Amyr.

Em São Paulo, na semana passada, ele conversou com jornalistas sobre projetos futuros, a já pensada opção de parar de navegar por causa da burocracia, críticas à falta de interesse em investir turisticamente em ancoradouros e contou das curiosidades da proeza de 1984, que desde então norteia também sua vida.

Amyr tem 58 anos, navega sempre, vive de marinas, é casado com Marina, as filhas passam férias na Antártica e todos seus projetos são ligados a barcos e mares. Nunca mais voltou a exercer ao ofício de economista. Na época da travessia do Atlântico, era um jovem paulista desconhecido, que nunca havia nem sequer navegado. Nem sabia que três tentativas anteriores semelhantes de europeus deram errado. “Eu navegava com o privilégio da ignorância. Se soubesse disso, talvez não tivesse ido.”

Solidão? “Nunca”

No projeto de Amyr, o máximo de energia que teria seriam seus braços, pernas e os painéis solares para a bateria do radiocomunicador. Para usá-lo só duas vezes por semana. O estudo sobre as primeiras cartas de correntes e ventos o ajudou. Não eram ainda anos de GPS nem telefones satelitais.

Ou roupas especiais menos emborrachadas que evitariam seus ferimentos. Para ondas gigantes, um barco que pudesse capotar e se desvirar já era grande coisa. Hoje há dados precisos de meteorologia. Levou comida desidratada sem sal (“comia bem”) para que usasse a água do mar como tempero. Hoje carregaria barras de cereais e teria a saúde monitorada à distância.

Solidão? “Nunca tive. Não sentia falta de ninguém. Eram muitas responsabilidades”. Baleias, tubarões e peixes voadores o acompanhavam. Levou livros que nem leu. Amyr lembra de percalços burocráticos e incidentes que enfrentou antes da partida. Na véspera, a moto que guiava bateu num cortejo fúnebre. Estava sem documentos quando uma viatura policial lhe parou.

Liberado, seguiu na mesma moto e, ao frear para uma mulher passar, ela acabou atropelada por um carro. Susto. Arrumou as malas de um projeto de dois anos em apenas 50 minutos, esqueceu de tomar vacinas importantes e quase não levou o rádio de comunicação – também por esquecimento. Trinta anos depois, é mesmo melhor rir. A viagem deu muito certo.

LER

CEM DIAS ENTRE CÉU E MAR. Editora: Companhia das Letras. Preço médio: R$ 20.

VER

Em vídeo, Amyr relaciona seus projetos de navegação ao Ceará.

Fonte: O Povo Online

Arquivo:

O Povo – Fortaleza-CE – Capa – 07.08.2014

O Povo – Fortaleza-CE – 07.08