Com João Sayad – O sucesso por caminhos diferentes
SÃO PAULO – A conversa é amena, descontraída. João Sayad e Amyr Klink parecem velhos amigos, apesar de terem se visto só uma vez desde que o navegador foi aluno do economista no curso de Ciências Econômicas da USP, há mais de 30 anos.
“E suas filhas, estão com que idade?”, pergunta o secretário estadual da Cultura a Klink, que se formou na Faculdade de Economia e Administração (FEA) e chegou a trabalhar dois anos em um banco antes de se tornar o navegador mais conhecido do País.
“As mais velhas estão com 12 e a caçula vai fazer 9″, conta Klink, enquanto mostra a Sayad fotos de Paraty, seu refúgio desde criança.
O secretário admite que não se lembra de vários dos ex-alunos. Só “descobriu” o navegador quando ele realizou a primeira travessia solitária do Atlântico a remo, em 1984. “Fiquei muito satisfeito e comecei a por no meu currículo. Além de termos sido professor e aluno, somos patrícios.”
“O Sayad acabou ficando sócio de um primo meu, o Cássio”, revela Klink à repórter, referindo-se a Cássio Kasseb, ex-presidente do Banco do Brasil, que trabalhou com o secretário no banco Interamerican Express. “O Cássio é seu primo? Não sabia.”
Aos poucos, entre fotos e relatos sobre livros e travessias, Klink e Sayad relembram nomes de velhos conhecidos e episódios em que suas trajetórias se cruzaram.
Um deles foi em 1985, quando Sayad, ministro do Planejamento, ligou para a casa de Klink para convidá-lo para um passeio de barco. “Conversei com seu pai, que falava que nem um patrício mesmo”, conta o secretário, que não conseguiu contato com o navegador e acabou fazendo a travessia Rio-Ubatuba sem o ex-aluno.
No único encontro dos dois durante todos esses anos, Klink foi ao banco Interamerican dar uma palestra. “Ele contou a história de quando foi consertar alguma coisa no mastro do barco e ficou revoltado porque alguém havia tirado suas ferramentas do lugar. Aí se deu conta de que havia sido ele mesmo. Foi uma lição sobre como assumir a própria responsabilidade e não colocar a culpa em terceiros.”
Klink escolheu fazer Economia “sem querer”. “Não gostava do curso, mas das aulas do Sayad gostava. Era raro ter um professor com essa índole provocativa, que eu gosto. Ele fazia coisas diferentes. Encontrávamos ele correndo na USP”, diz Klink, que fez remo na Cidade Universitária, das 4h15 às 7 horas, durante todo o curso na FEA. “Passava semanas sem ir para casa, dormia na calçada da USP. No 3º ano de faculdade comprei um trailer que ficava no estacionamento. A turma toda ia dormir lá, as namoradas entravam, viajamos para o Chile.”
Já naquela época, o aventureiro tinha hábitos austeros. “Só usava bota e calça preta, nunca deixei de usar camisa azul e sempre usei a mesma fivela no cinto, que é essa aqui que tenho até hoje”, diz, fazendo questão de mostrar a fivela.
Antes do trailer, Klink já tinha passado outros apertos no campus. Para preservar os cabelos compridos do trote, deixava sua moto do lado de fora da sala e pulava a janela 15 minutos antes do fim da aula. Sayad, também formado em Economia pela USP, não teve a mesma sorte. “Rasparam meu cabelo no primeiro dia de aula, em março de 1964, e desde estão sou careca”, brinca.
Sayad diz que ainda dá aulas duas vezes por semana. “É mesmo? Na FEA?”, pergunta Klink. “Sim, numa disciplina chamada Moedas, Banco e Inflação.” Sayad diz que prefere trabalhar na graduação. “É muito divertido. Os alunos têm a curiosidade legítima, enquanto o profissional graduado se preocupa mais com o que outros economistas dizem do que com o que salta aos olhos. Gosto de instigar os alunos, colocar em xeque a notícia do jornal, a frase feita.”
“Adoro seus textos, parabéns”, elogia Klink. “Para escrever sou bom, para velejar é que eu sou ruim”, diz Sayad, que já leu dois livros do ex-aluno, Mar sem fim e Cem dias entre céu e mar. “Não sei se esse papo serviu para vocês, mas, para nós, foi ótimo”, conclui o professor.
Fonte: Estadão